sexta-feira, 8 de abril de 2011

RESPEITAR A TRADIÇÃO

"Eu e os da minha geração "a rasca" lá estaremos ..."


A tradicional e secular Festa da Pinha, da bonita e acolhedora aldeia de Estoi, realizada sempre no dia 2 de Maio de cada ano, pretende, acima de tudo, simbolizar a festa que os "almocreves" de outrora faziam, sempre que regressavam de suas viagens, por terras do Alentejo e até mesmo das beiras interiores, atribuladas e cheias de vicissitudes várias, para levarem os produtos da região, vendendo-os ou trocando-os por outros aqui inexistentes ou escassos.

Suportados por proprietários das terras envolventes, transportavam nos seus muares esses produtos, regressando felizes pelo sucesso da jornada, longa e espinhosa, acampando nas imediações de Ludo (Almancil), aí reconfortando a alma e os estômagos, recebendo as suas jornas dos seus patrões endinheirados, que por norma lhes ofereciam um pipo de vinho, ou mais, regressando a Estoi no final da tarde / noite do dia 2 de Maio, já meio ébrios, transportando a sua alegria contagiante, com o alecrim e talvez as pinhas secas do pinhal circundante a Ludo, oferecendo a sua homenagem à Sr.ª de Ao Pé da Cruz em Estoi, onde eram recebidos, noite cerrada, com os archotes erguidos ao vento e gritando a sua enorme alegria pelo sucesso da viagem. Hoje, séculos(!) passados.

Recorda-se ou tenta-se recordar essas epopeias passadas, onde a palavra de ordem: "Viva a Pinha! Viva a Pinha! ecoa nas gargantas já rouquenhas, meio ébrias dos participantes.

De salientar as roupagens de outrora e que se tenta preservar nos tempos modernos, na medida do possível.

O tradicional chapéu do camponês algarvio, preto ou castanho em feltro, ou a boina que á alguns anos ainda se via ser utilizada, de cor preta, redonda com uma aplicação de tecido igual no cimo da mesma, o barrete preto caído para o lado, tipo ribatejano mas preto, a camisa campestre de quadrados ou de linho, lisa e sóbria, o lenço em volta do pescoço, vermelho ou de cores garridas, o colete aberto preto, castanho ou cinzento e a calça de serrubeco, ou cotim, típica das gentes antigas que trabalham no campo, hoje a ganga substitui em parte esse adereço.

Umas botas campestres de cabedal e uma cinta à volta embelezam o "almocreve" de todos os tempos, adornando o chapéu com enfeites de flores garridas.

Os muares, as éguas e os cavalos, os carros de tracção animal e os tractores engalanados e repletos de palmeiras, flores, pampilhos ou malmequeres em profusão, conferem aquele ar de festa à Festa propriamente dita.

Se quisermos preservar a tradição, importa seguir algumas normas de conduta que inviabilizem a vandalização e adulteração da tradição, passada em Estoi de pais para filhos ao longo de gerações de Estoienses.

A Festa da Pinha é de Estoi, mas aberta a todos aqueles que a ela quiserem aderir de boa vontade e de espírito colaboracionista.

Saber aquilo que é a Festa, o que ela representa e aquilo que se deve utilizar para lá ir de corpo e alma.

Foi nos anos de 1968 que a geração de que faço parte, hoje na casa dos 60 anos de idade, retomou a tradicional Festa da Pinha, após mais um interregno desta feita motivado pela guerra colonial, onde muitos jovens milicianos perderam suas vidas.

Em Estoi, foi a morte em combate do Furriel João Canal que levou a uma paragem de 5, 6 anos, desde 1961/62 até 1968.

Quando um mês antes do dia 2 de Maio um grupo de jovens se juntou, acompanhados pelos veteranos da Pinha, reorganizou-se e constituiu-se uma Comissão de Festas que teve a seu cargo a realização da festa desse ano e das demais que se seguiram, com novos personagens e a inclusão, já nos anos pós 25 de Abril do elemento feminino de pleno direito.

Nesses anos pedia-se para o Bazar e para arcar com as despesas obrigatórias, como sejam a compra dos archotes de esparto e banho de pez louro, a banda de música de Paderne ou de Loulé, a orquestra ou conjunto musical, a publicidade e o fogo, indispensável e jogado ao ar em profusão.

Havia sempre os “Jogos Florais da Pinha”, com o Prof. Amílcar a liderar, havia missa no Dia de Vera Cruz, dia 3 de Maio na Capela da Rua do Pé da Cruz e todos se envolviam na aldeia e Freguesia, preparando meticulosamente os carros de mula, as charretes, já escassas, as palmeiras e os pampilhos para engalanar o cortejo.

As buganvílias eram disputadas e davam aquela beleza natural à comitiva.

A pontualidade era habitual, os petiscos onde os caracóis e a carne assada no braseiro feito em Ludo imperavam, a recepção e a troca de bebidas entre os convivas era constante e ali mesmo se faziam as pazes entre amigos desavindos.

O respeito pelos “velhos”, os habituais “almocreves” de Estoi era lei, o ouvir as suas estórias era obrigatório, bem como as habituais e bem disputadas “abarcas” logo após o retemperador e bem regado almoço no pinhal suscitava a presença de todos em grande roda, com respeito pelo vencedor e pelo derrotado.

Ao longo do percurso as crianças das Escolas, acompanhadas pelas suas professoras, aplaudiam e gritavam “Viva a Pinha” e faziam entrevistas aos mais conhecedores daquela mística e carismática festa tradicional.

As Comissões de Festas estavam sempre ao corrente e à frente de tudo, respeitadas e ouvidas, mesmo sem os agora indispensáveis telemóveis.

A subida em Santa Bárbara de Nexe com a Banda era apoteótica e a entrada em Estoi de archotes acessos em dança alucinante e aos gritos de “Viva a Pinha – Viva a Festa da Pinhaaaa…” ecoavam em explosões de alegria por todos os milhares de presentes ao longo do cortejo.

Hoje e agora, importa retomar a organização de tudo ou quase tudo aquilo que se vai perdendo, com grande mágoa dos mais antigos!...

Vamos à Pinha sim, mas perguntem e informem-se antecipadamente de como se devem organizar, vestir e entrar no cortejo.

Deixemo-nos de Carnaváis e de outras coisas mais!

O traje, modesto e simples é primordial, a postura ao longo do percurso é contagiante mas ordeira.

Não deitemos garrafas vazias e lixo consumido para o chão, não vedemos o acanhado recinto em Ludo com cordas, arames e arraiais de tascas e tasquinhas.

Corram o recinto e convivam amena e alegremente mesmo com quem não conhecemos e procurem mais e mais informação sobre o que é a Pinha.

Vamos entrar em Estoi organizadamente e todos por ordem. À frente a Banda de música, a viatura de som da Rádio Simão a anunciar, os cavaleiros a seguir, as carroças e charretes movidas por animais, terminando com os tractores e pequenos camiões engalanados, sem que esteja na condução do tractor mais do que o condutor e não aquilo que por vezes acontece e de grande perigosidade, que é ver-se três, quatro jovens embriagados por vezes ali sentados.

Chegar a Estoi organizados e alegres é lei. Não empinem os cavalos frente a centenas de pessoas que estão a assistir, filmando, fotografando ou simplesmente apreciando visualmente.

Façamos, em conclusão, uma renovada e revigorada Festa da Pinha 2011, com alegria e companheirismo, com participação entusiástica e pensando sempre, que para que ali possamos estar, muitos, milhares antes de nós, a criaram e recriaram, agradecendo à Senhora de Ao Pé da Cruz, nossa Padroeira, a virtude e a felicidade de estarmos vivos e podermos sair de Estoi, ir a Ludo, comer e beber com amigos, ao ar livre, com a escolta da G.N.R. que devemos respeitar e regressar no final da tarde a Estoi, com entusiasmo redobrado, gritar bem alto “Viva a Pinha” – Viva a Festa da Pinha.

Eu e os da minha geração “à rasca” lá estaremos a dar esse exemplo.

Viva a Pinha! Viva a Pinha cacete!

Faro, 8 de Abril de 2011
(Um “almocreve” de Estoi)

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