quinta-feira, 13 de setembro de 2012

PINCELADAS

Boa tarde

Na continuação da informação transmitida, tenho todo prazer em dar algumas "pinceladas" no que à Festa da Pinha diz respeito, sem que antes informe da não total certeza sobre as origens e motivações que estiveram na génese desta Festa, de cariz eminentemente rural, seguida através da vontade de todo um povo, suas crenças e tradição oral, que nos vem sendo transmitida através de gerações e gerações de "almocreves" (pessoas que comercializavam os produtos da terra e da região, intercambiando-os com outros aqui não existentes ou escassos, transportando sal, amêndoas, alfarrobas, peixe seco e outras "iguarias", nos seus muares, por veredas e caminhos, serra fora por esse Algarve dentro, em direcção ao Alentejo e Beiras interiores...)

Assim nos foi transmitido pelos mais velhos!...

É bom continuar a haver gente com interesse na tradicional romaria dos "Almocreves" ou "Romeiros", pelo que, com todo o gosto darei a minha contribuição daquilo que recebi dos nossos antepassados, já que, infelizmente, pouco há escrito com verdadeiro interesse histórico, sendo que, quem conta um ponto acrescenta outro ponto e assim por diante...

Há quem fale na Confraria dos "Almocreves", que haveria em Estoi, Almancil, Ludo, por estas paragens e dali seguiria a comitiva, suportado pelos proprietários mais abastados que faziam transportar os seus produtos pelos "almocreves", pelo pagamento de uma jorna previamente combinada.

A comitiva passaria por muitas privações durante uma longa e perigosa jornada, quer pelos muitos dias de ausência, quer por perigos de serem assaltados e atacados por lobos famintos.
Daí a fogueira que por certo acendiam pela noite onde pernoitavam e se defendiam dos lobos.

A chegada, após longos dias, se não meses de ausência, segundo os mais idosos, fazia-se nos pinheiros da zona de Ludo / Amancil, onde comiam e bebiam "fartamente", pagos pelos seus patrões, que por norma lhes colocavam à disposição uma pipa de vinho e apanhavam as pinhas do pinhal para acenderem à chegada a Estoi e talvez às localidades de passagem.

Em Estoi depositavam o alecrim, as pinhas, numa enorme fogueira, frente ao Cruzeiro da Senhora do Pé da Cruz, aplaudidos na passagem por populares e familiares que ali os esperavam.

O grito Viva a Pinha - Viva a Festa da Pinha, que hoje ecoa nas gargantas rouquenhas, meio embriagadas, poderá resultar dessa estadia nos pinhais do Ludo, quem sabe!?...

Como não havia iluminação pública, transportavam uma tochas, ou archotes, feitos de corda de sisal, semelhante às amarras dos barcos de outrora, que embebidas em pez louro conseguem manter-se acessas e serem brandidas nas mãos dos cavaleiros.

 A minha geração, (Pinhas dos anos 60), que colheu e bebeu os ensinamentos dos almocreves de outras anteriores gerações, saía de Estoi na manhã do dia 2 de Maio, em mulas, éguas, cavalos e carroças de tracção animal, engalanadas com palmeiras, pampilhos, buganvilias e outras flores ornando os animais e os chapéus algarvios dos homens do campo, vestindo umas calças de cotim ou serrubeco, mais tarde até as gangas, com uma camisa branca, uma cinta em redor, vermelha ou preta, um colete, um lenço garrido ao pescoço, umas botas rurais e levando consigo os caracóis, a carne para assar em Ludo, folar, figos, aguardentes, vinho e mais tarde cerveja, numa alegria que contagiava os turistas e os residentes.

Todos em comitiva, seguiam ao som dos foguetes e o percurso é sempre o mesmo. Estoi, Coiro da Burra, cruzamento de Santa Bárbara de Nexe, Esteval, E.N.125, Ludo e regresso.

A tradição mandava dar a quem era mais modesto algo daquilo que levávamos, almoçar em grupo no pinhal de Ludo, logo após faziam-se as "abarcas" (um tipo de luta greco-romana, em que os homens, sempre nessa altura os homens, se agarravam abaixo do pescoço e esgrimiam, até quem caísse ao chão perdia e dava o lugar a outro valentão).

Quem perdia aceitava a derrota, quem ganhava continuava às abarcas até ser vencido e assim por diante.

Poesia improvisada, poemas, quadras e decoração nas carroças, agora são mais os tractores em seu lugar e a Banda de música à chegada a Santa Bárbara de Nexe, por volta das 20H00, adornavam a comitiva, meio ébria de um dia louco de alegria.

Aí se faziam as pazes entre amigos desavindos e se respeitavam os mais velhos almocreves.

Foi isto que nós, Estoienses tradicionalistas "bebemos" dos nossos antepassados e disso não abdicamos.

Hoje, as gentes mais novas, raparigas incluídas, veem a ida à Pinha como um dia para faltar às aulas e apanhar uma grande bebedeira e alguns pseudo-almocreves, rasgam as roupas, na maioria das vezes completamente alheias à tradicional, sentam-se perigosamente em cima dos motores dos tractores, desrespeitam os mais velhos, prostituem a característica de uma festa que sempre cativou os visitantes, o turismo, a aldeia.

A não haver, por parte da autoridade que representa a Freguesia e as Comissões de Festa que daí emanam, um maior cuidado, na permissão de fazer parte integrante do cortejo, apenas e somente quem respeitar a tradição, no vestir, no desfilar, no divertir saudavelmente, a mesma definhará e Estoi, o Algarve, o nosso povo e a nossa cultura, perderão uma das romarias mais populares e carismáticas da nossa Região - A Festa da Pinha - sempre no dia 2 de Maio e nunca num dia de fim de semana seguinte como alguns já a quiseram realizar.

A chegada a Estoi, ao som da Banda e dos foguetes, já noite cerrada, com os archotes acessos e o grito Viva a Pinha - Viva a Festa da Pinha, jamais será perdida e esquecida, caso os tradicionalistas, onde me incluo, continuem a pugnar pela identidade da Festa, da nossa Festa da Pinha.
 (J. Aleixo)